terça-feira, 16 de outubro de 2012

A presença da morte

Meu filho tem alma de cientista.

E foi assim que começamos conversando sobre estrelas e planetas e o tamanho do universo.
Falamos sobre o movimento dos corpos celestes e sobre o Sol. E como sempre sei que ele faz quando falamos do universo, enveredamos em uma conversa sobre o corpo humano. Porque meu filho tem alma de alquimista e sabe, por instinto, que assim como no alto é embaixo.

Falamos dos órgãos, dos sistemas do corpo. Ele me explicava sobre rins e intestinos, sobre cérebro, estômago e coração. E foi assim que o assunto chegou ao lugar onde eu não sabia como ir além. O que acontece quando o coração para?

“O sangue volta pro coração. Para de correr pelas veias, e os outros órgãos param de funcionar. Então a pessoa morre.”

O coração do vovô Antônio parou. Uma doença do coração, por ele ser velhinho. Foi por isso que ficamos fora o fim de semana, eu e o papai. Para ajudar a vovó em todas as coisas que precisam ser feitas quando uma pessoa morre.

E que coisa tão alienígena e natural é a morte para um cientista.

“Eu não gosto quando as pessoas morrem.” E me vi inquirida. Porque “doença” assim, genericamente, não bastava. Era preciso saber que doença. Que fato preciso. Um infarto. E como é um infarto? O que causa isso? O que faz um coração parar de funcionar de repente?

“Eu não gosto quando as pessoas morrem. E quando as pessoas ficam muito velhas elas morrem as vezes. Em algum momento as pessoas todas morrem.”

Sim.A morte é parte do ciclo. Assim como o nascimento. Todas as pessoas nascem.

Ficamos abraçados muito tempo. “Que coisas é preciso fazer quando as pessoas morrrem?” Quando as pessoas morrem, o corpo volta para a terra. Falei sobre parentes vindos de longe, e por alto, de arranjos que precisavam ser resolvidos, e que os adultos também choravam quando uma pessoa morre. Expliquei para olhos atentos, que eu acredito que quando o corpo morre sobra a alma. Que ela permanece, ainda que em outro lugar. Que a alma pega um barco que a leva para outro mundo, onde ela passa a cuidar dos vivos. Que eu acredito que agora, o vovô cuidaria dele sempre, que o protegeria.

Ficamos em silêncio, eu e ele. Esperei que se afastasse, apaziguado mais por suas certezas científicas do que por minhas saídas espirituais. Ele disse que queria jogar psp. Queria ficar sozinho, se distrair e ruminar aquilo.

Então eu pude vir aqui, sofrer um pouco porque crianças não deveriam precisar receber más notícias. 


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